terça-feira, setembro 23, 2003

Há pouco, pouco tempo atrás

Quando Ronald Reagan acordou naquela banal manhã de Abril, ano 1981, sentia ainda a cabeça pesada, aquela picada fria junto do olho direito que o incomodava há várias semanas. Bebeu um pouco da água que restava no copo colocado na mesa de cabeceira, a bíblia a servir como base. Ronald Reagan aprendeu a detestar aqueles círculos molhados nos móveis. Ouviu demasiadas vezes a voz zangada e maternal de Nancy e sabe agora que as manchas de humidade são permanentes. Arrasta-se até à beira da cama onde se senta, olhos de frente para o espelho e uma expressão que esconde o seu exercício mental diário. Barbara Stanwyck, Doris Day, Patricia Neal, Shirley Temple. Por fim levanta-se e, como uma criança que não consegue resistir a arrancar a crosta das feridas, leva a mão à cicatriz localizada alguns centímetros abaixo do coração. Não sabe bem porque o faz, é como se tivesse a esperança de um dia acordar e ela já não lá estar. Tal como desejava que John Hinckley Jr. nunca o tivesse alvejado, tornando célebre o nome de Jodie Foster, o sonho molhado de um frustrado com uma arma. Os seus conselheiros dizem-lhe que foi o melhor que podia ter acontecido. “O povo adora sobreviventes”, dizem. “Podemos fazer disto o seu holocasto privado”, dizem. “Devíamos ter um todos os anos. O nome de Ronald Reagan nunca foi tão falado. E a quantidade de cartas que recebemos? Batemos recordes!”, dizem. O presidente raramente ouve. Afinal, ele tem problemas suficientes. A Guerra Fria é um peso permanente nos seus ombros. Ronald Reagan faz então uma coisa que nunca se atreveria a revelar a ninguém, nem à sua mulher: Sorri. Ele sabe que é macabro, mas continua a achar piada à designação. Guerra Fria, Guerra sem guerra. Como dois cobardes que se insultam sem nenhum ter a coragem de dar o primeiro soco. Mas não é por isso que o líder do mundo livre mostra os dentes que tanto o ajudaram em ambas as carreiras, actor e político, como as duas não significassem o mesmo. Ele sorri porque quando o primeiro míssil estiver no ar, uma equipa formada com as melhores mentes do país estará fechada numa sala onde um novo termo nascerá. Qualquer acção política precisa de uma frase que fique no ouvido. Talvez o inverso resulte, Guerra Quente. Até porque a primeira sensação será de calor. Quando aquele cogumelo nuclear subir alto e apagar o sol, ficará tão abafado como numa tempestade tropical. Quando órgãos – fígado, pulmões, estômago, rins - começarem a implodir, as vítimas de radiação vão suar como se derretessem. Quando braços, pernas, tronco, pés e cabeça começarem a inchar, quilos de gelo serão apenas água ao tocarem na pele que se alarga. Quando o sofrimento for tão forte que se torna dormente, bem, aí já não sentem grande coisa. Apenas desejam morrer. Ronald Reagan deixa de sorrir. Leva de novo a mão à cicatriz, a cicatriz que simboliza a sua sobrevivência. Afinal não o faz na esperança que ela já não lá esteja. Tem apenas medo de morrer. Toma uma decisão. Usar uma táctica política tão velha como eficaz. Ronald Reagan, agora em movimentos rápidos, caminha até à secretária, abre uma gaveta de onde retira uma carta de papel presidencial, a sua caneta preferida está mesmo ali ao pé do candeeiro. Nunca o admitirá, mas lembra-se da única coisa de jeito que Jack, o seu pai, alguma vez lhe disse: “Quando tiveres medo, a tua única hipótese é fingires que és forte.”

Meu Caro Sr. Presidente Leonid Brezhnev;

“…Will the average Russian family be better off or even aware that his government has imposed a government of its liking on the people of Afghanistan? You imply that such things have been made necessary because if territorial ambitions of the United States; that we have imperialistic designs and thus constitute a threat to your own security and that of the newly emerging nations. There not only is no evidence to support such a charge, there is solid evidence that the United States when it could have dominated the world with no risk to itself made no effort whatsoever to do so. When World War II ended the United States had the only undamaged industrial power in the world. Its military might was at its peak – and we alone had the ultimate weapon, the nuclear bomb with the unquestioned ability to deliver it anywhere in the world. If we had sought world domination who could have opposed us?...”


Ronald Reagan, Carta escrita em Abril de 1981

P.S. – O texto é pura ficção, a carta facto.
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