Outra curta que nunca será feita
BOM DIA, PORTUGAL, por Tiago R. Santos
© por Tiago R. Santos. Todos os direitos reservados
INT. ESTÚDIO TELEVISÃO – LISBOA – MADRUGADA
JOÃO
Bom dia, Portugal. Eu sou o João Andrade, são sete da manhã, e não acredito que já estou acordado.
Há um segundo de silêncio, tempo morto no ar. JOÃO, trinta e dois anos, de quem vemos apenas o tronco, está de fato e gravata, bom aspecto, bem penteado. À sua frente estão várias folhas de papel. É mais uma edição de um programa de informação e a posição da câmara é rígida e inamovível.
Por um segundo, o olhar de João vai para alguém que está fora de câmara.
JOÃO (CONT.)
O que foi?
João olha para as páginas que estão à sua frente.
JOÃO (CONT.)
(seco e sarcástico)
Está bem, eu leio as notícias.
(pega nas folhas)
Vamos lá ver. Incêndios, o trânsito está uma merda e a IC19 parece um enorme parque de estacionamento, o Sporting perdeu - grande surpresa aqui- , insucesso escolar, Homem do Piano e Ferreira Torres. Portugal é como a terra onde o tempo parou. Todos os dias são iguais.
Novo tempo morto no ar, ninguém diz uma palavra.
JOÃO (CONT.)
(olha para alguém fora do enquadramento)
Porque é que estás a olhar para mim dessa maneira, pá? Hã, André? Mas quem é que acorda às sete da manhã para ver televisão? Sabes a que horas é que eu me levanto? Cinco e trinta. Cinco e trinta, meu. Nem sequer sabia que essa hora existia. E hoje levanto-me e ela não está lá. Isto é que são notícias em exclusivo. Cabra.
O plano da câmara continua fixo e João olha agora directamente para o espectador.
JOÃO (CONT.)
Deixem-me que vos diga uma coisa. As pessoas fecham sempre os olhos um segundo antes de um acidente. É instinto. Mas, com as mulheres, é diferente. Estamos ali, de olhos bem abertos, a pensar em nomes para o cão que lhe vamos oferecer no dia de aniversário, estava a pensar em Winston, e de repente--
(olha de novo para fora do enquadramento)
Eu não entendo. Olhem para mim. Eu sou sexy. Não sou sexy? André?
Novo segundo desconfortável de tempo morto.
JOÃO (CONT.)
André?
E mais um segundo de tempo morto.
ANDRÉ (O.S.)
És sexy, João, claro que és.
JOÃO
Achas mesmo?
Nova pausa.
ANDRÉ (O.S.)
Sim.
JOÃO
(olha de novo para o espectador, orgulhoso)
Nem mais. Mas eu não preciso de ti. Não preciso de ninguém. Eu até me rio das minhas próprias piadas.
(um segundo a olhar fixamente para a câmara)
Sabem o que é que eu não percebo? Quando é que os futebolistas se tornaram os ‘sex symbols’ das mulheres? Quando é que isto aconteceu? Quando é que aqueles broncos com a quarta classe começaram a sacar todas as gajas boas? Alguém me consegue explicar? Alguém me consegue explicar como é que a minha Inês me deixou pelo defesa esquerdo do Olivais e Moscavide?
João pára por um segundo, como se percebesse que está a perder o controlo. Respira fundo, pega nas folhas, olha para a câmara e sorri. Parece melhor, mais aliviado. Mas, de repente, envia as folhas pelo ar e levanta-se, é a primeira vez que o seu corpo se mostra por completo, revelando que está sem calças, apenas de boxers e meias pretas.
JOÃO
Que se lixe esta merda.
O FUNDO DO ECRÃ FICA NEGRO POR TRÊS SEGUNDOS COM UMA FRASE A BRANCO – “DIFICULDADES TÉCNICAS. DESCULPE O INCÓMODO”
INT. ESTÚDIO TELEVISÃO – LISBOA – MADRUGADA
O cenário é exactamente o mesmo mas, no lugar do João, está agora ANDREIA, uma jovem e bonita jornalista.
ANDREIA
Bom dia, Portugal. O meu nome é Andreia Sanches. São sete e quatro da manhã.
(uma pausa)
Em notícia exclusiva, o jornalista João Andrade tem colapso mental em directo. Não perca, já a seguir. Mas primeiro, o trânsito.
BOM DIA, PORTUGAL, por Tiago R. Santos
© por Tiago R. Santos. Todos os direitos reservados
INT. ESTÚDIO TELEVISÃO – LISBOA – MADRUGADA
JOÃO
Bom dia, Portugal. Eu sou o João Andrade, são sete da manhã, e não acredito que já estou acordado.
Há um segundo de silêncio, tempo morto no ar. JOÃO, trinta e dois anos, de quem vemos apenas o tronco, está de fato e gravata, bom aspecto, bem penteado. À sua frente estão várias folhas de papel. É mais uma edição de um programa de informação e a posição da câmara é rígida e inamovível.
Por um segundo, o olhar de João vai para alguém que está fora de câmara.
JOÃO (CONT.)
O que foi?
João olha para as páginas que estão à sua frente.
JOÃO (CONT.)
(seco e sarcástico)
Está bem, eu leio as notícias.
(pega nas folhas)
Vamos lá ver. Incêndios, o trânsito está uma merda e a IC19 parece um enorme parque de estacionamento, o Sporting perdeu - grande surpresa aqui- , insucesso escolar, Homem do Piano e Ferreira Torres. Portugal é como a terra onde o tempo parou. Todos os dias são iguais.
Novo tempo morto no ar, ninguém diz uma palavra.
JOÃO (CONT.)
(olha para alguém fora do enquadramento)
Porque é que estás a olhar para mim dessa maneira, pá? Hã, André? Mas quem é que acorda às sete da manhã para ver televisão? Sabes a que horas é que eu me levanto? Cinco e trinta. Cinco e trinta, meu. Nem sequer sabia que essa hora existia. E hoje levanto-me e ela não está lá. Isto é que são notícias em exclusivo. Cabra.
O plano da câmara continua fixo e João olha agora directamente para o espectador.
JOÃO (CONT.)
Deixem-me que vos diga uma coisa. As pessoas fecham sempre os olhos um segundo antes de um acidente. É instinto. Mas, com as mulheres, é diferente. Estamos ali, de olhos bem abertos, a pensar em nomes para o cão que lhe vamos oferecer no dia de aniversário, estava a pensar em Winston, e de repente--
(olha de novo para fora do enquadramento)
Eu não entendo. Olhem para mim. Eu sou sexy. Não sou sexy? André?
Novo segundo desconfortável de tempo morto.
JOÃO (CONT.)
André?
E mais um segundo de tempo morto.
ANDRÉ (O.S.)
És sexy, João, claro que és.
JOÃO
Achas mesmo?
Nova pausa.
ANDRÉ (O.S.)
Sim.
JOÃO
(olha de novo para o espectador, orgulhoso)
Nem mais. Mas eu não preciso de ti. Não preciso de ninguém. Eu até me rio das minhas próprias piadas.
(um segundo a olhar fixamente para a câmara)
Sabem o que é que eu não percebo? Quando é que os futebolistas se tornaram os ‘sex symbols’ das mulheres? Quando é que isto aconteceu? Quando é que aqueles broncos com a quarta classe começaram a sacar todas as gajas boas? Alguém me consegue explicar? Alguém me consegue explicar como é que a minha Inês me deixou pelo defesa esquerdo do Olivais e Moscavide?
João pára por um segundo, como se percebesse que está a perder o controlo. Respira fundo, pega nas folhas, olha para a câmara e sorri. Parece melhor, mais aliviado. Mas, de repente, envia as folhas pelo ar e levanta-se, é a primeira vez que o seu corpo se mostra por completo, revelando que está sem calças, apenas de boxers e meias pretas.
JOÃO
Que se lixe esta merda.
O FUNDO DO ECRÃ FICA NEGRO POR TRÊS SEGUNDOS COM UMA FRASE A BRANCO – “DIFICULDADES TÉCNICAS. DESCULPE O INCÓMODO”
INT. ESTÚDIO TELEVISÃO – LISBOA – MADRUGADA
O cenário é exactamente o mesmo mas, no lugar do João, está agora ANDREIA, uma jovem e bonita jornalista.
ANDREIA
Bom dia, Portugal. O meu nome é Andreia Sanches. São sete e quatro da manhã.
(uma pausa)
Em notícia exclusiva, o jornalista João Andrade tem colapso mental em directo. Não perca, já a seguir. Mas primeiro, o trânsito.
2 Comments:
ah, ah, ah. muito boa. faz-me lembrar qualquer coisa, isso de acordar às cinco da manhã....
Apos uma pesquisa achei este blog magnifico este texto esta...demais! gostei muito Parabens
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