quinta-feira, novembro 17, 2005

(auto-terroristas - continuação - sim, ainda, mas está quase a acabar)

Sou adepto do silêncio, de procurar a minha eloquência em rolhas de garrafas de vinho ou na contemplação de estranhos. De exercitar os pés enquanto falo, brincar com as chaves que tenho no bolso, rodar a pedra de um isqueiro sem nunca criar chama. É neste momento que eu, em completo silêncio, julgo as pessoas. Avalio cada movimento de lábios, tique nervoso, figura de estilo como bengala de oração, a forma como seguram no garfo, se o encaixam entre os dedos ou o seguram com delicadeza. À frente dela, num restaurante onde todos os outros clientes apenas existem para rodarem à nossa volta, cometo um erro. Fixo-me nos seus olhos. Dizem que são a janela para a alma. Reparo em todos os detalhes, a forma como a pupila permite a entrada de luz, as ligeiras flutuações de tamanho. A irís é um lago castanho prateado, o mar salgado numa noite húmida de lua cheia. Mas, se me concentrar, tudo o que vejo é a mim próprio. O meu rosto num reflexo deformado oferecido pela córnea. Talvez James Jones tenha razão. Somos todos a mesma pessoa, uma alma colectiva em diferentes corpos. Passo o resto do almoço a tentar disfarçar o facto de que estou com uma erecção.
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