segunda-feira, outubro 13, 2003

E agora, para algo completamente ridículo...

A Igreja continua empenhada em aproximar-se dos problemas reais da sociedade. O estimado cardeal Alfonso Lopez Trujillo, presidente do Pontifício Conselho para a Família, declarou à BBC que os preservativos deixam passar os espermatozóides e o vírus da sida. Fadéla Chaib, porta-voz da Organização Mundial da Saúde, mulher de bem e de boa educação, classificou as declarações de ‘falsas’, uma maneira bonita e óbvia de lhe chamar mentiroso. Mas talvez esteja a precipitar-se, suponho que o Alfonso (perdoem-me a confiança, sinto que conheço bem pessoas de má fé) fale por experiência própria. Será que o santíssimo cardeal teve o azar de engravidar alguma crente, mesmo tendo usado contracepção? O método é apenas noventa e nove por cento eficaz e só assim se percebe que ele considere que “os espermatozóides, bem como o vírus, atravessam facilmente a rede formada pelos preservativos.” Ou talvez conheça vários casos de gravidez não desejada junto do ‘rebanho’ e nem lhe passe pela cabeça que o facto de a Igreja ignorar toda e qualquer educação sexual dos seus tenha alguma coisa a ver com isso (os desenhos que explicam como aplicar o látex ao órgão sexual masculino podem ser muito explícitos). Algo há-de explicar declaração tão idiota, tão irresponsável, não é possível que a Igreja esteja tão desligada do resto do mundo, pois não? Porque isso seria desinteresse, desprezo, arrogância. Quando qualquer sistema vivo deixa de olhar para o lado e se fecha em si mesmo, atrofia. E estamos a falar da Igreja Católica, referência moral para milhões de pessoas, certo?

Recordo-me quando fiz a primeira comunhão, devia ter pouco mais de dez anos. Igreja cheia de pais orgulhosos e máquinas fotográficas, flores e jóias, filas de crianças a comungar tal como tinham ensaiado durante meses. Quando regressei ao meu lugar, sorria. Uma senhora, muito séria, por certo cheia de fé e de boa vontade, reprimiu-me: “Isto não é para levar a brincar!” Aprendi nesse dia a facilidade com que se confundem emoções. A beata encarou a minha face corada e os dentes que escapavam dos lábios como desrespeito. Era apenas vergonha. Nunca gostei de multidões. Não mais voltei a confessar-me ou a colocar a hóstia na ponta da língua.

Mas temos que apreciar o esforço que a Igreja Católica tem feito no sentido de cativar uma nova geração que cresce cínica e perdida. Sempre em nome de Deus e de Jesus, o Vaticano decretou trinta e sete novos actos proibidos nas missas. Segundo o jornal Público, no início de 2004 será proibido bater palmas, dançar, ter raparigas como acólitas ou ler outros textos que não os da Bíblia. Também não é aceite a celebração conjunta com ministros de outras confissões, como os protestantes. Uma decisão que, sem dúvida, calará todos aqueles que acusam a Igreja de intolerância, mas que me parece insuficiente. É necessário um acto que proíba a utilização de T-shirts estampadas, ténis ou saias. Todo o pecador tatuado deve também ser excomungado. E qualquer pessoa apanhada a falar na casa de Deus, rua. O que interessa se Santo Inácio, nos seus “Exercícios Espirituais”, considere que o “primeiro ponto é ver as pessoas, umas e outras; e primeiro as de face da terra em toda a sua variedade de vestuário e gestos, uns brancos e outros negros, uns em paz e outros em guerra, uns a chorar e outros a rir, uns sãos e outros doentes, uns a nascer e outros a morrer...”. A Igreja não necessita disso. Querem crentes sérios, iguais, sem manifestações de pulso ou coração. Porque o que interessa é a cerimónia, nunca as pessoas.
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