quarta-feira, maio 24, 2006

Dicas úteis

Para aqueles que, ignorando os meus conselhos, querem escrever cinema/televisão, aqui ficam alguns links que podem ser utéis.

artfulwriter.com
www.johnaugust.com
www.hucksblog.blogspot.com
kenlevine.blogspot.com
Na terça feira, acabei, junto com dois outros guionistas/amigos, o episódio piloto para uma série de televisão.

E a questão continua a ser a mesma.

Será que está alguma coisa de jeito? (eu espero que sim)

É um bom momento para falar da profissão de Guionista em Portugal. Para quem está interessado em escrever filmes/séries no nosso país (não novelas, isso é outra estória), dois conselhos.

Nem pensem nisso, porque eu não preciso da concorrência.

Nem pensem nisso, porque nunca, nunca, será um trabalho que vos irá garantir uma vida com um mínimo de estabilidade.

Escrever cinema em Portugal é um acto de paixão, um investimento numa estória, é necessário que sejas alguém que está disponível para estar sozinho em frente a um computador durante um mês sem receber dinheiro ou qualquer tipo de reconhecimento, ignorando amigos, namorada, família, que nunca percebem bem o trabalho que estás a fazer.

Sim, é assim tão mau. Se quiseres ser rico ou famoso, estás na profissão errada. Aqui joga-se pelo amor à camisola.

P.S. Não, os actores não inventam os seus diálogos. Eles foram escritos antes.

segunda-feira, maio 15, 2006

No Sábado, acabei a primeira versão de um guião.

No Domingo, imprimi o texto pela primeira vez. A minha namorada folheou-o. Riu-se em algumas passagens. Eu, que fingia estar distraído, perguntei de imediato em que cena é que ela estava.

É conhecida a angústia do escritor. A página de word em branco, o cursor a piscar, e aquela voz na tua cabeça que diz, vezes e vezes sem conta, 'sê criativo! Inventa algo brilhante!'. Mas com isso lido bem. Sou óptimo a ignorar a minha consciência. O meu problema é outro.

Porque é segunda-feira. E continuo a não fazer ideia se o guião está alguma coisa de jeito.

sábado, maio 13, 2006

Fuck The DaVinci Code

O Book Review do New York Times convidou algumas centenas de críticos, escritores, editores e conhecedores (incluindo Mario Vargas Llosa, Ian McEwan, Stephen King ou Michael Cunningham) a indicarem qual a melhor obra de ficção americanos dos últimos 25 anos. Aqui fica a lista de vencedores e partilho o estúpido e infantil orgulho em constatar que Don DeLillo, o meu escritor americano preferido, tem três livros na lista. Talvez seja tempo de as editoras portuguesas começarem a traduzir alguns dos seus títulos, pelo menos o Underworld, obra absolutamente épica e visionária.

O VENCEDOR:
Beloved
Toni Morrison (1987)

LUGARES DE HONRA:
Underworld
Don DeLillo
(1997)

Blood Meridian
Cormac McCarthy
(1985)

Rabbit Angstrom: The Four Novels
John Updike
(1995)

American Pastoral
Philip Roth
(1997)

OS RESTANTES LIVROS TAMBÉM RECEBERAM MÚLTIPLOS VOTOS
A Confederacy of Dunces
John Kennedy Toole
(1980)

Housekeeping
Marilynne Robinson
(1980)

Winter's Tale
Mark Helprin
(1983)

White Noise
Don DeLillo
(1985)

The Counterlife
Philip Roth
(1986)

Libra
Don DeLillo
(1988)

Where I'm Calling From
Raymond Carver
(1988)

The Things They Carried
Tim O'Brien
(1990)

Mating
Norman Rush
(1991)

Jesus' Son
Denis Johnson
(1992)

Operation Shylock
Philip Roth
(1993)

Independence Day
Richard Ford
(1995)

Sabbath's Theater
Philip Roth
(1995)

Border Trilogy
Cormac McCarthy
(1999)

The Human Stain
Philip Roth
(2000)

The Known World
Edward P. Jones
(2003)

The Plot Against America
Philip Roth
(2004)

quinta-feira, maio 11, 2006

Outra curta que nunca será feita
BOM DIA, PORTUGAL, por Tiago R. Santos
© por Tiago R. Santos. Todos os direitos reservados

INT. ESTÚDIO TELEVISÃO – LISBOA – MADRUGADA

JOÃO
Bom dia, Portugal. Eu sou o João Andrade, são sete da manhã, e não acredito que já estou acordado.

Há um segundo de silêncio, tempo morto no ar. JOÃO, trinta e dois anos, de quem vemos apenas o tronco, está de fato e gravata, bom aspecto, bem penteado. À sua frente estão várias folhas de papel. É mais uma edição de um programa de informação e a posição da câmara é rígida e inamovível.

Por um segundo, o olhar de João vai para alguém que está fora de câmara.

JOÃO (CONT.)
O que foi?

João olha para as páginas que estão à sua frente.

JOÃO (CONT.)
(seco e sarcástico)
Está bem, eu leio as notícias.
(pega nas folhas)
Vamos lá ver. Incêndios, o trânsito está uma merda e a IC19 parece um enorme parque de estacionamento, o Sporting perdeu - grande surpresa aqui- , insucesso escolar, Homem do Piano e Ferreira Torres. Portugal é como a terra onde o tempo parou. Todos os dias são iguais.

Novo tempo morto no ar, ninguém diz uma palavra.

JOÃO (CONT.)
(olha para alguém fora do enquadramento)
Porque é que estás a olhar para mim dessa maneira, pá? Hã, André? Mas quem é que acorda às sete da manhã para ver televisão? Sabes a que horas é que eu me levanto? Cinco e trinta. Cinco e trinta, meu. Nem sequer sabia que essa hora existia. E hoje levanto-me e ela não está lá. Isto é que são notícias em exclusivo. Cabra.

O plano da câmara continua fixo e João olha agora directamente para o espectador.

JOÃO (CONT.)
Deixem-me que vos diga uma coisa. As pessoas fecham sempre os olhos um segundo antes de um acidente. É instinto. Mas, com as mulheres, é diferente. Estamos ali, de olhos bem abertos, a pensar em nomes para o cão que lhe vamos oferecer no dia de aniversário, estava a pensar em Winston, e de repente--
(olha de novo para fora do enquadramento)
Eu não entendo. Olhem para mim. Eu sou sexy. Não sou sexy? André?

Novo segundo desconfortável de tempo morto.

JOÃO (CONT.)
André?

E mais um segundo de tempo morto.

ANDRÉ (O.S.)
És sexy, João, claro que és.

JOÃO
Achas mesmo?

Nova pausa.

ANDRÉ (O.S.)
Sim.

JOÃO
(olha de novo para o espectador, orgulhoso)
Nem mais. Mas eu não preciso de ti. Não preciso de ninguém. Eu até me rio das minhas próprias piadas.
(um segundo a olhar fixamente para a câmara)
Sabem o que é que eu não percebo? Quando é que os futebolistas se tornaram os ‘sex symbols’ das mulheres? Quando é que isto aconteceu? Quando é que aqueles broncos com a quarta classe começaram a sacar todas as gajas boas? Alguém me consegue explicar? Alguém me consegue explicar como é que a minha Inês me deixou pelo defesa esquerdo do Olivais e Moscavide?

João pára por um segundo, como se percebesse que está a perder o controlo. Respira fundo, pega nas folhas, olha para a câmara e sorri. Parece melhor, mais aliviado. Mas, de repente, envia as folhas pelo ar e levanta-se, é a primeira vez que o seu corpo se mostra por completo, revelando que está sem calças, apenas de boxers e meias pretas.

JOÃO
Que se lixe esta merda.

O FUNDO DO ECRÃ FICA NEGRO POR TRÊS SEGUNDOS COM UMA FRASE A BRANCO – “DIFICULDADES TÉCNICAS. DESCULPE O INCÓMODO”

INT. ESTÚDIO TELEVISÃO – LISBOA – MADRUGADA

O cenário é exactamente o mesmo mas, no lugar do João, está agora ANDREIA, uma jovem e bonita jornalista.

ANDREIA
Bom dia, Portugal. O meu nome é Andreia Sanches. São sete e quatro da manhã.
(uma pausa)
Em notícia exclusiva, o jornalista João Andrade tem colapso mental em directo. Não perca, já a seguir. Mas primeiro, o trânsito.

quinta-feira, maio 04, 2006

Concrete - A Short Screenplay by Tiago R. Santos (c) all rights reserved

EXT. NEW YORK STREET – DAWN

It’s the end of a long night. LEO, a guy in his late twenties, walks alone. He returns home after several hours of drinking and dancing.

If the New York streets could ever be quiet for a minute, this would be it. There’s a sense of serenity.

Leo stops and lights a cigarette. His pack, kept in his pocket, is crushed and it’s a miracle the cigarettes survived. This particular one makes a swerve to the right.

Then, out of nothing, SAM runs pass him. Sam is a guy in his thirties, dressed in black. He seems to be running randomly, in no particular direction.

LEO
Hey!

Sam keeps running.

LEO
Hey! Sammy!

Sam stops and looks back.

SAM
Jesus, Leo?

LEO
Sammy! What—

Sam runs back in Leo’s direction. They hand-shake.

LEO
How the hell are you? It’s been--

SAM
I’m good, Leo-—

LEO
What are you doing running around? You’re in a hurry?

SAM
Oh, you know. Where are you going Leo?

LEO
It’s seven o’clock in the morning, man. I’m going home.

SAM
Can I walk with you Leo?

LEO
I-- Sure.

They both start walking.

SAM
Hey, Leo, do you have a cigarette?

Leo gives Sam a cigarette. This one goes upwards, like an arrow pointing toward the stars.

LEO
How have you been man? I haven’t seen you since—

Leo seems worried for a brief moment.

SAM
Yeah, since them hum, Leo?

LEO
Are you alright? I mean-- better?

Sam jumps, a sudden movement. Leo is startled.

SAM
Oh man, you know what? Leo, I wanna show you something!

LEO
What? Hey, it’s nice to see you and all but my ass is going home.

SAM
It’s right there. It’s gonna blow you away, I swear to God. It’s right there Leo!

Sam grabs Leo’s arm and drags him to a sidewalk. He points to a perfectly normal square of concrete, nothing different about it.

SAM
What to you think Leo?

LEO
What do I think about what?

SAM
Leo, you haven’t even looked at it.

LEO
Looked at what? It’s the fucking sidewalk! It’s pavement! Sammy, are you sure you’re okay?

Sam insists. He points to the piece of sidewalk again. Leo looks at it.

LEO (CONT'D)
I don’t know what the fuck you saying.

SAM
This is between me and you Leo. I don’t want people to know. Let’s not create a tourist attraction here, all right? This is ours. Newyorkers only.

Sam gets on his knees.

LEO
What--

Sam lies down. His head is perfectly framed in that grey square. Sam pushes his ear against the sidewalk.

LEO
It’s been almost two years, Sam. You’re still fucking crazy. You have to let it go man. Jesus Christ. What the fuck--

SAM
I can’t explain it Leo. I don’t want to, either. But lean your head, let your ear touch the street, and New York will speak to you. It has to be right here. This spot. I tried in other places, other sidewalk squares, but it never worked. It’s here.

Sam closes his eyes and smiles.

SAM (CONT’D)
The birds in Central Park. Cab drivers talking on the cell phone. Store managers releasing the gates on Madison Avenue. Drunks returning home, mumbling. A baby girl waking up with a good cry at 108 East, 97th street, apartment 5E. A boy confessing his eternal love to a girl. Smokers inhaling, Pakistani Deli workers spraying water on roses, the sighs of those who fall asleep crying. It’s all here, man. It’s all here.

Sam gets up. Leo just looks at him. Sam starts running again.

SAM
Right. Have to go Leo.

LEO
Where--

SAM
Two Swedish students trying to get around the subway lines. A job for yours truly, Leo.

LEO
You crazy--

Sam runs off and disappears in a corner. Leo looks down at the sidewalk. Then, slowly, he starts to get down. First, he puts his knees on the concrete. Then, always slowly, he places his hands in the ground and lowers his head. His ear touches the sidewalk.

Leo stands there for a couple of seconds. He looks rather stupid, in all fours with his ear leaned against the sidewalk.

Leo smiles.

LEO
Motherfucker.
Façam lá o jeitinho. Por favor?

Há uma semana que remodelei a Terrível Verdade. Não sei se já repararam, mas no final de cada texto (ou post, como quiserem), existe agora uma pequena caixa de comentários. Como o perfeito narcisista que sou (condição clinicamente provada), fiquei entusiasmado com a perspectiva de ter um feedback imediato de cada visitante. Nada. Nem um. Eu sei que o senhor que 'googlou' 'imagens de pessoas mutiladas', e foi encaminhado para este site, deve ter ficado decepcionado. Pois bem, essas caixas são a possibilidade de expressar a sua raiva. O mesmo acontece com os utilizadores que procuravam

'Prostituição no Conde Redondo'
'Influência do Red Bull no Desempenho sexual'
'Estacionamento no Intendente'
'Clube Amigos Disney Madeira'
'Extensões de Cabelo Mary qualquer-coisa'

Claro que já percebi que a maioria das pessoas que passa pelo Terrível Verdade, fazem-no por engano absoluto. Acreditem que eu não sei nada sobre o Clube Amigos Disney Madeira. Mas vamos tornar estes infelizes equívocos num agradável encontro entre estranhos. Leiam um texto, não demora nada, e digam-me a vossa opinião. Mesmo que o considerem terrível (especialmente nestes casos). Usem as pobres caixas de comentários, neste momento condenadas a uma vida de esquecimento e frustração. O primeiro visitante que o fizer, ganha um conjunto de facas de cozinha.

P.S. E, por favor, deixem de fazer buscas por 'imagens de pessoas mutiladas', a não ser que trabalhem numa morgue a reconstruir e embalsamar cadáveres, como o Rico no 'Six Feet Under'. Se é o caso, as minhas desculpas. É um emprego desagradável, mas alguém tem que o fazer. Se é algo que fazem por diversão, bem, o melhor é respirarem fundo sempre que tiverem o impulso, desligarem a Internet e irem para a rua apanhar sol. Não há desculpa que justifique uma vida de palidez.

quarta-feira, maio 03, 2006

Dois homens revoltados

A: E... o que é que eu estava a dizer?
B: ...televisão...
A: Ah, certo.
B: ...o telejornal...
A:... era apresentado por aquele gajo...
B: ...já sei, aquele tipo...
A:... aquele gajo que também...
B:... eu até gosto desse tipo, acho que ele...
A:... sim, mas aparece uma notícia...
B:... é bom e até os livros...
A:... no telejornal, onde eu espero objectividade...
B:... e outras coisas...
A:... a notícia dizia que um filme tinha ganho um festival....
B: ...aquele com o míudo...
A:... e o gajo diz isso, como se não fosse nada com ele...
B:... não o vi, mas disseram-me coisas boas...
A:... o que é uma vergonha, pá...
B:...porque foi ele que o escreveu...
A:... um gajo pensa que está a ver o telejornal....
B:...tens razão...
A:...e depois percebe que está a ver pornografia...
B:... é importante as pessoas saberem...
A:...estou convencido que vou aprender um pouco sobre a situação em Darfur...
B:...é errado....
A: ...e apanho com um gajo a chupar o seu próprio pénis...
B:... é isso que está errado em Portugal...
A:...é como a história do velho governante...
B:...porque ninguém diz nada...
A:... que se recusa a sair do seu posto....
B:...as pessoas não querem saber...
A:...eu nem tenho nada contra os velhos....
B:...estão sem forças...
A:...até gosto do cheiro deles...
B:...mas isto tem que mudar...
A:...e das pausas que fazem enquanto falam...
B:...temos que fazer alguma coisa...
A:... mas sou contra a perpectuação dos cargos públicos....
B:...perpectuação é uma palavra?
A:...e olhas para os jornais...
B: ...para as colunas de opinião...
A:...e vês os amigos do gajo...
B:...os mesmos que ele protege...
A:...a dizerem que o homem é essencial e que não há ninguém...
B:...como é que pode haver alguém....
A:...na nova geração....
B:...se são sempre os mesmos?
(um segundo de silêncio)
B: Mas não é assim em todo o lado?
A: Talvez seja. Mas eu não vivo em todo o lado. Apenas neste buraco. E só há duas maneiras de viver. Tentar subir as paredes ou continuar a escavar para baixo.
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