sexta-feira, abril 28, 2006

Conversa Banal Sobre Nada

A: Não me digas isso que eu...
B: ...eu... desculpa... mas...
A: O que é que estás a fazer?
B: Não sei.
A: Quem é que te dá o direito...
B:... não quis...
A:... de chegar aqui, assim...
B:...acho que pensei...
A:... e... quem é que pensas que...?
(um segundo de silêncio)
B: ...que ias gostar...
A: O que?
B: Acho que pensei que ias gostar.
(novo segundo de silêncio)
A: Não sabes que...
B: Não, eu sei. Mas...
A: ... que é impossível?
B: ... mas apesar de ser impossível...
A: O que é que estás a fazer? Mas o que é que pensas que estás a fazer? Isto não faz sentido nenhum.
B: Faz. É esse o problema, faz todo o sentido. Por isso é que tentei...
A: Que sentido?
B:... falar contigo...
A: Agora, assim?
B:...para te dizer...
A: Não sabes que...
B:... que...
A:... que eu não quero ouvir isso?
(novo segundo de silêncio)
B: Li numa revista que devemos ser honestos com... que devemos ouvir o... o nosso coração.
A: Pois, então talvez seja boa ideia deixares de ler revistas de merda.

quinta-feira, abril 27, 2006

Guerrilheiros Urbanos

O: E tabaco? Tens fumado?
U: Dois maços por dia.
O: Bom. Bom. Dois maços por dia é bom.
U: Ando a tentar subir para três, mas fico com a garganta toda lixada.
O: Dois já não é mau.
U: Acho que, se conseguir chegar a três, vou acabar por ficar com a boca dormente.
O: Isso era óptimo.
U: Era fantástico. A partir daí, podia fumar quatro, cinco maços, à vontade.
O: Se tiveres força de vontade...
U: Estou a tentar, pá. Já nem sinto os dentes, sabes? Quando passo com a língua por eles, parecem estradas de alcatrão.
O: Óptimo, óptimo. E quanto à dieta?
U: O costume. Abusar do sal, da gordura e dos fritos. Tenho as veias completamente entupidas.
O: Desde que te conheci pá, sempre soube que eras o que ia mais longe. Que não eras como os outros gajos.
U: E tenho passado os dias ao sol, sem protector solar. A pele caiu-me três vezes numa semana.
O: Eu reparei. Estás bronzeado.
U: E pronto, é isso.
O: Não quero ser demasiado optimista mas, se continuares assim, acho que em menos de um ano...
U: Achas mesmo?
O: Se tudo correr bem, não vejo porque não.
U: Isso era...
O: ...fantástico...
U: Nunca pensei que...
O: Sempre foste o mais decidido...
U: Nem imaginas o quanto...
O: Só tens razões para estar orgulhoso...
U: ...isto é importante para mim...
O: ...para nós...
(um segundo de silêncio)
U: Achas que as pessoas vão perceber?
O: Talvez não agora. É muito cedo para elas. Mas em breve.

quinta-feira, abril 20, 2006

It's been a long time, baby

A: Há muito tempo.
O: Pois, eu sei.
A: O que é que tens feito?
O: Isto e aquilo.
A: Isto e aquilo?
O: Sim.
A: Consegues ser mais específico?
O: (encolhe os ombros) Tu sabes.
A: Não, não sei.
O: Tenho escrito.
A: O quê?
O: Coisas.
A: Coisas?
O: Sim.
A: Que tipo de coisas?
O: Sei lá. Poemas.
A: Poemas?
O: Sim.
A: Tens escrito poemas?
O: Sim, tenho.
A: Não achas que poemas são muito século XIX?
O: Achas?
A: Diz-me um.
O: O quê?
A: Diz-me um poema, desses que tens escrito.
O: Agora?
A: Sim.
O: Os poemas não se dizem assim, sem mais nem menos. Recitam-se poemas, não se dizem poemas. Percebes a diferença?
A: Ok, então recita-me um poema.
O: Agora?
A: Sim.
O: "As bombas caem do céu, cobertas pela impunidade dos Deuses..."
A: "As bombas caem do céu, cobertas pela impunidade dos Deuses..."?
O: Sim.
A: É este o teu poema?
O:Ainda há mais. "Homens sem casa, que ganham a vida com copos de papel vazios mas continuam sem comer, porque aprenderam que é possível sobreviver apenas com oxigénio e whiskey".
A: Qual é a diferença?
O: Diferença?
A: Sim. Qual é a diferença entre recitar e dizer um poema?
O: Não sei.
A: Fantástico.
O: É assim tão importante?
A: É. É assim tão importante.
O: Porquê?
A: Porque não te via há mais de seis meses. E tudo o que tens para me mostrar é um poema que nem sequer sabes recitar.
O: Eu gosto do meu poema.
A: Não é essa a questão.
(um segundo de silêncio)
O: Sou a pior pessoa do mundo?
A: Não sei. Mas és certamente a pior pessoa que conheço.
(novo segundo de silêncio)
O: E tu, o que é que tens feito?
A: Nada.
O: Nada.
A: Sim, nada. Passo os dias a perder tempo. Mas hoje era suposto ser diferente. Quando acordei, decidi que ia fazer alguma coisa. Mas olha para mim. Cá estou eu, a fazer nada outra vez. Achas mesmo que é possível sobreviver apenas a oxigénio e whiskey?
O: Não sei.
A: Não era tão bom se fosse?
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